artigos |Postado em 06-10-2020

Breve entendimento sobre o Direito Animal no Brasil

Que tal entendermos de uma forma resumida um pouco do Direito Animal Brasileiro?

O Direito Animal é um conjunto de princípios e regras que estabelece os direitos fundamentais dos animais não-humanos considerados estes em si mesmo. O direito animal não é uma ciência autônoma, guardando relação direta com o Direito Ambiental. Ainda que os animais estejam estabelecidos na ideia geral de meio ambiente, é importante nos acreditarmos a sua interpretação individual e consequentemente, a educação do Direito Animal.

É uma disciplina nova, é um novo ramo do direito, que nada tem a ver com o direito ambiental, o Direito Ambiental também faz a tutela jurídica da fauna, mas sempre pela perspectiva ecológica, quando se é pensando no animal em função da natureza, em função do meio ambiente, os animais enquanto espécie, como elementos da biodiversidade, se é pensado com o enfoque do Direito Ambiental.

Os animais para o direito animal, interessam por si próprio, independentemente da sua função ecológica ou ambiental, independe da sua importância que ele tenha para o equilíbrio ecológico, independentemente da sua relevância para a sustentabilidade ecológica. O direito animal é um direito, que se preocupa com os animais não porque eles são importantes para a natureza, para biodiversidade, ou por eles terem valor econômico, por eles serem usados na pecuária, ou por serem usados na experimentação cientifica, etc.

Fundamentos do Direito Animal: animais são seres sencientes. Mas o que são seres sencientes?

A senciência animal, é a capacidade de vivenciar sofrimento e prazer. Os animais podem sentir alegria, felicidade, satisfação conforto, assim como apresentar emoções negativas como tristeza, desconforto, medo, insegurança, frustração, entre outras, ou seja, emoções que importam ao indivíduo, “esse estimulo é prazeroso/doloroso” eles expressam de maneira parecida com o humano.

E quais animais são sencientes?

Filo Chordata, Subfilo Vertebrata, Vertebrados, peixes, aves, anfíbios, repteis, mamíferos.

Mesmo aqueles animais em que face ou semblantes não conseguem identificar a mesma característica de emoção que a gente evidência por exemplo em um cão ou até nos seres humanos, eles não deixam de ser seres sencientes, porque eles não expressam da mesma forma a expressão no semblante deles. A percepção de que os animais têm senciência refuta a Teoria Cartesiana de que os animais são maquinas, coisas sem sentimentos, que não sofrem, que não sentem dor, entre outros. Essa constatação não é jurídica, é um fato cientifico.

Declaração de Cambridge sobre a consciência (redigida por Dr. Philip Low, no Reino Unido, em 7 de julho de 2012).

“A ausência de um neocórtex não parece impedir que um organismo experimente estados afetivos. Evidências convergentes indicam que animais não humanos têm os substratos neuroanatômicos, neuroquímicos e neurofisiológicos dos estados de consciência juntamente com a capacidade de exibir comportamentos intencionais. Consequentemente, o peso das evidências indica que os humanos não são os únicos a possuir os substratos neurológicos que geram a consciência. Animais não humanos, incluindo todos os mamíferos e aves, e muitas outras criaturas, incluindo os polvos, também possuem esses substratos neurológicos.”

Os cientistas declaram que o peso das evidencias indica que os humanos não são os únicos a possuir os substratos neurológicos que geram a consciência. Por tanto, como negar a dignidade a seres sencientes? A consciência, é sem sombras de dúvida o fundamento da dignidade animal, não há como negar são seres sencientes e que possui uma dignidade própria, diferente da nossa talvez, mas existe uma dignidade.

Para o direito ambiental, a questão da dignidade animal é irrelevante, é elemento da ecologia, indispensável a garantia da qualidade de vida no planeta, no direito ambiental o animal ele importa em função do ser humano, é uma visão mais antropocêntrica.

O antropocentrismo é uma doutrina filosófica que coloca a figura do ser humano como o “centro do mundo”, relevando a importância da humanidade em comparação com as demais coisas que compõem o Universo, o antropocentrismo defende que o mundo, assim como todas as coisas que nele existem, é de benefício maior dos seres humanos. O direito é extremamente narcísico, tomando o como medida de todas as coisas.

A posição antropocêntrica do ordenamento brasileiro é a fonte de dificuldade que tribunais encontram na hora de solucionar em benefício da vida dos animais. Muitos juízes se julgam de mãos atadas, pois a legislação raramente permite uma adaptação à natureza jurídica dos animais como coisas. Desta forma, é preciso precaução na hora de decidir o destino dos não-humanos, ainda que a legislação os trata como meros objetos ignorando sua capacidade de sofrimento. O Direito Animal no Brasil ainda é antropocêntrico.

O homem sempre procurou estabelecer uma relação de domínio com os animais. No início dos tempos, eles eram caçados e sua carne, utilizada como alimentos; já a pele servia para produção de vestimentas e abrigos. Com o passar do tempo, os animais começaram a ser explorados no trabalho da agricultura ou para o transporte de pessoas e mercadorias, assim como para companhia e diversão humana, em arenas e circos. Há milênios, a relação entre homens e animais e a forma de o homem tratar os animais vem variando em cada diferente sociedade.

No tocante à previsão legislativa do Direito Animal no Brasil, no plano legal podemos apontar inicialmente o Decreto 24.645/1934, na vigência da primeira Constituição republicana de 1891, que, à época, já estabelecia normas gerais e medidas de proteção aos animais, estabelecendo a tutela pelo Estado de todos os animais existentes no país. Força de lei ordinária, ações de índole individual, foi o primeiro estatuto geral de proteção jurídica dos animais no Brasil, universal e o seu principal objetivo era criminalizar os maus-tratos animais. Foi um movimento animalista que produziu 1° estatuto geral, Getúlio Vargas se sensibilizou e publicou exatamente o texto proposto pela UIPA.

Em que pese o Decreto 24.645/1934 esteja marcado como revogado no site do Planalto, cumpre inferir que ele ainda possui plena vigência, uma vez que o Decreto 11, de 1981, que aprovou a Estrutura Regimental do Ministério da Justiça e deu outras providencias, não teve força para revogá-lo, já que o Decreto 24.645/1934 tem força de lei, e, portanto, hierarquicamente superior ao decreto superveniente.

A Constituição da Republica de 1988, é considerada uma referência, não somente na democratização e difusão da justiça social no país, mas principalmente na questão ambientalista, vez que instaurou um divisor de paradigma ao contemplar o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e, à vista da interpretação sistemática, tal garantia também é estendida a todos (FERREIRA, 2014) – nota-se que igualmente aos animais.

Ao disciplinar o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, a Constituição introduziu a regra da proibição das práticas cruéis contra animais, paralelamente à regra da proibição das práticas que coloquem em risco a função ecológica da fauna.

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

  • 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

Com isso, a Constituição protege os animais em duas frentes: pelo Direito Animal, no qual os animais são considerados seres conscientes e dotados de dignidade própria, razão pela qual interessam como sujeitos-indivíduos e a sua proteção se faz independentemente da sua relevância ecológica; e pelo Direito Ambiental, no qual os animais são considerados como espécie, enquanto elementos da biodiversidade, imprescindíveis ao equilíbrio ecológico e a sadia qualidade de vida. O art. 225, §1°, VII, tem um panorama antropocêntrico disfarçadamente, protege o meio ambiente como forma de proteger a sadia qualidade de vida, proteger os seres humanos.

O Brasil é o único país no mundo que tem sua Constituição a regra da proibição da crueldade, nenhum outro país elevou ao status constitucional a proteção dos animais com um dispositivo proibitivo.

A constituição “reconhece” que os animais são seres sencientes. Por isso no Brasil nenhuma lei, nenhum decreto, nenhuma decisão judicial, nenhuma pratica humana, pode implicar em crueldade, sofrimento, angustia, dor física ou psíquica a animais. O Direito Animal existe no ordenamento jurídico, É UMA REGRA, E É UM DIREITO CONSTITUCIONAL. O Poder Judiciário, o Ministério Público, são órgãos que existem para preservar os direitos fundamentais previsto na Constituição, dentre eles o direito fundamental animal, um direito fundamental pós-humano a existência digna.

Mas o que significa "direitos fundamentais"?

Direitos fundamentais, são frutos, reivindicações concretas, geradas por ocasiões de injustiças e/ou agressão a bens fundamentais e elementares do ser humano, foram criados para se defender dos estados.

O direito animal começa no art. 225, §1°, VII, proíbe, veda, praticas humanas cruéis contra animais, e não distinguem espécie, importam por si só. Serem tratados de forma digna, é serem tratados sem qualquer tipo de crueldade, sofrimento, intolerância ou violência. A partir da regra Constitucional é que se é construído o Direito Animal Brasileiro.

No plano infraconstitucional, um grande avanço legislativo ocorreu com o advento da Lei n° 9.605, de 1998, Lei de Crimes Ambientais, que elevou a categoria de crime a crueldade em relação aos animais:

Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

  • 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos
  • 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.

Porém a Lei de Crimes Ambientais, passou por uma grande mudança, foi sancionada a Lei nº 14.064, de 29 de setembro de 2020, alterando a Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, para aumentar as penas cominadas ao crime de maus-tratos aos animais quando se tratar de cão ou gato.

Com a sanção do PL n° 1095/2019, conhecido como Lei Sansão (apelidado em referência ao nome do cão Sansão da raça pitbull que teve as patas traseiras decepadas com um facão), de autoria do Deputado Fred Costa (Patriota-MG), foi adicionado ao art. 32 da Lei n° 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais).

Art.32

  • 1º-A Quando se tratar de cão ou gato, a pena para as condutas descritas no caput deste artigo será de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, multa e proibição da guarda.

O artigo 3° da Lei Sansão dispõe que ela entra em vigor na data da sua publicação. Por se tratar de uma Lei pena que não possui caráter benéfico, ela não retroage. Portanto, não terá efeito em crimes anteriores. A Lei Sansão começa a produzir seus efeitos de forma imediata, passando a regular os crimes futuros.

Outro ponto a ser destacado com essa mudança, diz respeito a possibilidade da prisão em flagrante, que poderá ser convertida em prisão preventiva dependendo da gravidade do caso, e da impossibilidade de a autoridade policial arbitrar fiança. Por se tratar de um crime cuja pena máxima de 4 anos, cumprirá a um juiz de direito arbitrar fiança para os casos nos quais for cabível a sua aplicação.

O referido crime sairá da esfera de “crime de menor potencial ofensivo” os processos deixarão de tramitar nos juizados especiais criminais para tramitar em varas criminais comuns. Assim, não há que se falar na aplicação de institutos despenalizadores, a exemplo da suspensão condicional do processo e da transação penal.

Como vemos a pena foi aumentada apenas para cães e gatos, que são os animais domésticos mais comuns e principais vítimas desse tipo de crime (Fonte: Agência Senado).

O que já mostra um grande avanço de uma luta que já vem a bastante tempo percorrendo as câmaras e os senados para ajudar os que mais precisam, os que não tem vozes. Aos poucos, vamos subindo degraus e mais degraus para inserir todos os animais, não podendo continuar sendo restrita apenas para cães e gatos, encaixando todo e qualquer animal, a todo tipo de vida, o aumento para cães e gatos já é uma grande vitória a qual diminui uma boa porcentagem de maus-tratos aos mesmos e gerando prisão a quem comete esse tipo de crime.

Por sorte, presenciamos, mesmo que de forma lenta, uma mudança de perspectiva, valores e pensamentos sociais, o que faz com que o pensamento antropocêntrico seja alvo de questionamento e fundadas críticas.

Crescentemente se aborda o direito animal, indicando a urgente necessidade de mudança. A senciência animal, reconhecida oficialmente em 2012, significa muito mais do que a capacidade de sentir prazer e dor: indica que não há diferenciação entre o sofrimento humano e não-humano.

Faz-se necessário o amadurecimento do ordenamento jurídico brasileiro, que deve refletir as transformações sociais em relação aos animais não-humano e superar o paradigma antropocêntrico, a exemplo do que já ocorre em alguns países.

A “descoisificação” dos animais é o primeiro passo para que haja modificação que corresponda aos anseios de todos aqueles que almejam a mudança do status jurídico destes seres. Sendo assim, a senciência o ponto convergente entre as espécies humana e não-humana, a superioridade hierárquica do homem é assunto que não mais se sustenta. Todas as vidas têm valor por si mesmas e não pelo benefício ou lucro que podem proporcionar a outrem.

 “Talvez chegue o dia em que o restante da criação animal venha a adquirir os direitos que jamais poderiam ter-lhe sido negados, a não ser pela mão da tirania. Os franceses já descobriram que o escuro da pele não é motivo para que um ser humano seja irremediavelmente abandonado aos caprichos de um torturador. É possível que algum dia se reconheça que o número de pernas, a vilosidade da pele ou a terminação do osso sacro são razões igualmente insuficientes para se abandonar um ser senciente ao mesmo destino. O que mais deveria traçar a linha intransponível? A faculdade da razão, ou, talvez, a capacidade da linguagem? Mas um cavalo ou um cão adultos são incomparavelmente mais racionais e comunicativos do que um bebê de um dia, uma semana, ou até mesmo um mês. Supondo, porém, que as coisas não fossem assim, que importância teria tal fato? A questão é ‘Eles são capazes da raciocinar?’, nem ‘São capazes de falar?’, mas, sim: ‘Eles são capazes de sofrer?’” Jeremy Betham (1748-1832).

Até breve com mais conteúdos sobre o Direito Animal ✨🤎

Mayara Damascena @daamascena

Referências:

A proteção juridica aos animais no Brasil: uma breve historia / Samylla Mól, Renato Venancio
Comentarios ao Codigo de Direito e Bem-Estar Animal do Estado da Paraíba: a positivação dos direitos fundamentais animais./ Coordenação de Vicente Ataide Junior
Danielle Ferreira / Presidente da Comissão de Direito Animal
Estudos Criminais de Direito Animal / Gisele Kronhardt
Revista Brasileira de Direito Animal

Imagem de capa: Henry e Baloo @henrythecoloradodog